É comum que
atividades esportivas deem origem a jargões de celebração e pacificidade. O
mais famoso deles é uma frase tradicional e igualitária: o importante é
competir. Atualmente, esse espírito competitivo
das Olimpíadas é associado aos jogos de uma maneira um pouco menos inocente. A
marca dos anéis Olímpicos as cidades, , competem umas contra as outras por investimentos privados e
turísticos. Ser cidade sede de uma Olimpíada, portanto, dá a cidade um status
de grife. Enquanto isso, remoções, legislações quebradas e investimentos
desiguais marcam as prioridades da gestão pública diante do megaevento; e
outras necessidades estruturais como saúde e educação continuam no segundo
plano das atenções.
“Chinelada na paulistada”, disse em tom
irônico o prefeito Eduardo Paes em 2010 sobre a escolha do Rio como sede da
final da Copa. A declaração está disponível no Youtube e - apesar de polêmico - esse espírito competitivo entre
metrópoles tem se mostrado comum atualmente. Desde meados da década de 1990, as
principais metrópoles brasileiras passaram a seguir uma tendência global de
cidade-mercado. Nessa ordem, o espaço público não se sustenta
pelo bem estar de seus cidadãos, e sim pela necessidade da metrópole de se
tornar competitiva diante das outras. O neoliberalismo estabelece que empresas
estejam acima de qualquer intervenção do Estado na ordem do mercado, e é nessa
lógica que funciona a metrópole pós-moderna.
Urbanista e
professor da UFRJ, Carlos Vainer é um militante de uma Olimpíada responsável.
Especialista na organização urbana de grandes cidades há mais de duas décadas,
Vainer analisava o Rio neoliberal desde antes de qualquer evento esportivo.
Quando a Final da Copa e as Olimpíadas se confirmaram na cidade, o urbanista já
tinha um acervo de estudos sobre o quadro de um megaevento. Em dezenas de
vídeos com entrevistas e palestras disponíveisna internet, Vainer apresenta sua visão crítica à organização dos
megaeventos. Segundo ele, uma cidade que segue a lógica do mercado se comporta
como empresa e se utiliza dos eventos como janelas de oportunidade para atrair
a atenção da iniciativa privada. Nessa linha, a cidade passa a favorecer a
especulação imobiliária. Em troca, as obras realizadas dão a cidade uma
aparência positiva e visibilidade internacional.
Além de
empreiteiras e demais empresas responsáveis pela organização dos jogos, no caso
das Olimpíadas e da Copa, o Comitê Olímpico Internacional e a Fifa recebem subsídios. que ultrapassam o poder da
legislação. Com regulamento próprio, os órgãos esportivos impõem suas próprias
regras diante da legislação brasileira. Na Copa do Mundo, por exemplo, a venda
de bebidas alcoólica em estádios deve ser liberada, o que contraria uma lei federal. Além de estabelecer o que
é vendido ou não nas redondezas e no interior de praças esportivas, esses
órgãos gerenciais impõem a escolha da marca e dos vendedores credenciados a
vender esses produtos. Dessa forma, um cidadão comum, acostumado a trabalhar
como ambulante em determinada área da cidade, tem seu ofício condicionado à vontade e a gestão de um
governante que ele não elegeu.
Os deputados e senadores – aí sim, eleitos
pela população – têm opinião controversa em relação à realização dos
megaeventos. No caso do Rio de Janeiro há o chamado governo de coalizão, onde partidos não fazem oposição significativa
ao partido chefe. Dessa forma, o poder federal se alia ao município e ao
estado. Como a maioria da bancada de deputados é também aliada ao governo de
situação nas esferas federais e estaduais da Câmara, pouco se discute a
legitimidade da realização de um megaevento. Segundo Vainer, em uma de suas entrevistas na internet, a crítica interna
passa a ser um obstáculo na competitividade da cidade, mas ainda assim, a falta
de oposição se converte em guerra no interior da própria federação, com estados
disputando poder político e investimentos. Essa disputa ficou marcada, por
exemplo, quando o governador Sérgio Cabral liderou uma campanha que mobilizou
toda a população fluminense em defesa de royalties de petróleo.
A unanimidade no
governo de coalizão só não se configura pela atuação de poucos deputados como,
por exemplo, o ex-jogador Romário. Em seu primeiro mandato como deputado federal
pelo PSB, Romário é um símbolo de oposição ao festejo exacerbado das
Olimpíadas. Essa semana, por exemplo, o baixinho fez duras críticas ao presidente do COB, Carlos Artur Nuzman, ao dizer que
“pessoas como Nuzman deveriam ser banidas do esporte.” Em relação à
flexibilidade da legislação diante do COI e da Fifa, Romário afirmou esse ano
em sessão do plenário que a Fifa
está montando um estado dentro do próprio Estado brasileiro.
Alheio às críticas,
o Comitê Organizador dos jogos investe em marketing para fortalecer sua imagem.
Em resposta às acusações de Romário, Nuzman convocou uma coletiva e afirmou que
os ataques do artilheiro não tem embasamento e provas. No
filme de divulgação das Olimpíadas
na página do COB, o Rio de Janeiro é apresentado como cidade perfeita, ideal
para se viver e investir. As áreas pobres da cidade são escondidas, fazendo com
que o Rio mostrado ao mundo seja apenas aquele que convém ao melhor
investimento. Para Vainer, essa é a lógica
que esconde o lado da cidade não adequado
à venda.
Desde pequenas
retaliações como os tapumes da LinhaVermelha a remoções,
a Prefeitura esconde o lado pobre da cidade. Essa prática de remoções e
relocações urbanas é comum quando megaeventos são realizados em cidades
marcadas pela desigualdade social. Na África do Sul, por exemplo, milhares de
moradores foram relocados de regiões centrais para viver em containers. No PAN de 2007, por
exemplo, a Prefeitura tentou remover a comunidade Vila Autódromo, próxima a sedes dos jogos, alegando irregularidades
que vão desde falta de segurança ao esgoto despejado. Apesar de ter resistido e
provado legitimidade em seu respectivo espaço, novamente a Vila Autódromo é alvo
de críticas e tentativas de remoções.
Na internet, é
comum a militância através de filmes e textos que denunciam os abusos de poder em remoções urbanas e
transferências de moradias por motivos estéticos. Em 2011 foi criado o Portal
Popular da Copa, um espaço de militância que faz paródia do Portal da Copa,
site oficial do Comitê Organizador, e promete fiscalizar o andamento das obras.
Paralelo a isso, enquanto cariocas brigam pelo direito de viver onde já vivem,
turistas que comprarem bilhetes para os jogos recebem visto brasileiro gratuito sem passar por qualquer processo de
imigração.