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Este blog tem o objetivo de publicar a produção de textos dos alunos das turmas de Laboratório de Jornalismo Impresso, PUC-Rio, 2012.2.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Como as Olimpíadas submetem a cidade às empresas

Victor Belart



É comum que atividades esportivas deem origem a jargões de celebração e pacificidade. O mais famoso deles é uma frase tradicional e igualitária: o importante é competir.  Atualmente, esse espírito competitivo das Olimpíadas é associado aos jogos de uma maneira um pouco menos inocente. A marca dos anéis Olímpicos as cidades, , competem umas contra as outras por investimentos privados e turísticos. Ser cidade sede de uma Olimpíada, portanto, dá a cidade um status de grife. Enquanto isso, remoções, legislações quebradas e investimentos desiguais marcam as prioridades da gestão pública diante do megaevento; e outras necessidades estruturais como saúde e educação continuam no segundo plano das atenções.

“Chinelada na paulistada”, disse em tom irônico o prefeito Eduardo Paes em 2010 sobre a escolha do Rio como sede da final da Copa. A declaração está disponível no Youtube e - apesar de polêmico - esse espírito competitivo entre metrópoles tem se mostrado comum atualmente. Desde meados da década de 1990, as principais metrópoles brasileiras passaram a seguir uma tendência global de cidade-mercado. Nessa ordem, o espaço público não se sustenta pelo bem estar de seus cidadãos, e sim pela necessidade da metrópole de se tornar competitiva diante das outras. O neoliberalismo estabelece que empresas estejam acima de qualquer intervenção do Estado na ordem do mercado, e é nessa lógica que funciona a metrópole pós-moderna. 

Urbanista e professor da UFRJ, Carlos Vainer é um militante de uma Olimpíada responsável. Especialista na organização urbana de grandes cidades há mais de duas décadas, Vainer analisava o Rio neoliberal desde antes de qualquer evento esportivo. Quando a Final da Copa e as Olimpíadas se confirmaram na cidade, o urbanista já tinha um acervo de estudos sobre o quadro de um megaevento. Em dezenas de vídeos com entrevistas e palestras disponíveisna internet, Vainer apresenta sua visão crítica à organização dos megaeventos. Segundo ele, uma cidade que segue a lógica do mercado se comporta como empresa e se utiliza dos eventos como janelas de oportunidade para atrair a atenção da iniciativa privada. Nessa linha, a cidade passa a favorecer a especulação imobiliária. Em troca, as obras realizadas dão a cidade uma aparência positiva e visibilidade internacional.

Além de empreiteiras e demais empresas responsáveis pela organização dos jogos, no caso das Olimpíadas e da Copa, o Comitê Olímpico Internacional e a Fifa recebem subsídios. que ultrapassam o poder da legislação. Com regulamento próprio, os órgãos esportivos impõem suas próprias regras diante da legislação brasileira. Na Copa do Mundo, por exemplo, a venda de bebidas alcoólica em estádios deve ser liberada, o que contraria uma lei federal. Além de estabelecer o que é vendido ou não nas redondezas e no interior de praças esportivas, esses órgãos gerenciais impõem a escolha da marca e dos vendedores credenciados a vender esses produtos. Dessa forma, um cidadão comum, acostumado a trabalhar como ambulante em determinada área da cidade, tem seu ofício  condicionado à vontade e a gestão de um governante que ele não elegeu.

 Os deputados e senadores – aí sim, eleitos pela população – têm opinião controversa em relação à realização dos megaeventos. No caso do Rio de Janeiro há o chamado governo de coalizão, onde partidos não fazem oposição significativa ao partido chefe. Dessa forma, o poder federal se alia ao município e ao estado. Como a maioria da bancada de deputados é também aliada ao governo de situação nas esferas federais e estaduais da Câmara, pouco se discute a legitimidade da realização de um megaevento. Segundo Vainer, em uma de suas entrevistas na internet, a crítica interna passa a ser um obstáculo na competitividade da cidade, mas ainda assim, a falta de oposição se converte em guerra no interior da própria federação, com estados disputando poder político e investimentos. Essa disputa ficou marcada, por exemplo, quando o governador Sérgio Cabral liderou uma campanha que mobilizou toda a população fluminense em defesa de royalties de petróleo.

A unanimidade no governo de coalizão só não se configura pela atuação de poucos deputados como, por exemplo, o ex-jogador Romário. Em seu primeiro mandato como deputado federal pelo PSB, Romário é um símbolo de oposição ao festejo exacerbado das Olimpíadas. Essa semana, por exemplo, o baixinho fez duras críticas ao presidente do COB, Carlos Artur Nuzman, ao dizer que “pessoas como Nuzman deveriam ser banidas do esporte.” Em relação à flexibilidade da legislação diante do COI e da Fifa, Romário afirmou esse ano em sessão do plenário que a Fifa está montando um estado dentro do próprio Estado brasileiro.

Alheio às críticas, o Comitê Organizador dos jogos investe em marketing para fortalecer sua imagem. Em resposta às acusações de Romário, Nuzman convocou uma coletiva e afirmou que os ataques do artilheiro não tem embasamento e provas. No filme de divulgação das Olimpíadas na página do COB, o Rio de Janeiro é apresentado como cidade perfeita, ideal para se viver e investir. As áreas pobres da cidade são escondidas, fazendo com que o Rio mostrado ao mundo seja apenas aquele que convém ao melhor investimento. Para Vainer, essa é a lógica  que esconde o lado da cidade não adequado à venda.

Desde pequenas retaliações como os tapumes da LinhaVermelha a remoções, a Prefeitura esconde o lado pobre da cidade. Essa prática de remoções e relocações urbanas é comum quando megaeventos são realizados em cidades marcadas pela desigualdade social. Na África do Sul, por exemplo, milhares de moradores foram relocados de regiões centrais para viver em containers. No PAN de 2007, por exemplo, a Prefeitura tentou remover a comunidade Vila Autódromo, próxima a sedes dos jogos, alegando irregularidades que vão desde falta de segurança ao esgoto despejado. Apesar de ter resistido e provado legitimidade em seu respectivo espaço, novamente a Vila Autódromo é alvo de críticas e tentativas de remoções. 

Na internet, é comum a militância através de filmes e textos que denunciam os abusos de poder em remoções urbanas e transferências de moradias por motivos estéticos. Em 2011 foi criado o Portal Popular da Copa, um espaço de militância que faz paródia do Portal da Copa, site oficial do Comitê Organizador, e promete fiscalizar o andamento das obras. Paralelo a isso, enquanto cariocas brigam pelo direito de viver onde já vivem, turistas que comprarem bilhetes para os jogos recebem visto brasileiro gratuito sem passar por qualquer processo de imigração.