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Este blog tem o objetivo de publicar a produção de textos dos alunos das turmas de Laboratório de Jornalismo Impresso, PUC-Rio, 2012.2.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Favela Vila Autódromo: manter ou remover?

Lúcio Oliveira

De todas as obras das Olimpíadas do Rio 2016, uma das mais polêmicas é a remoção da favela Vila Autódromo, às margens da lagoa de Jacarepaguá, bem próximo ao local onde a Vila Olímpica está sendo construída. Não há projeto de instalações esportivas na área. O motivo apontado pela prefeitura para a remoção é o trajeto da via expressa Transcarioca, um dos principais corredores viários que estão sendo construídos na cidade. A comunidade tem atualmente cerca de mil moradores e é uma antiga colônia de pescadores que virou favela no final dos anos 1970. A proposta vencedora do concurso apresentado pela Parceria Público-Privada responsável pelas obras previa a manutenção da favela, mas uma brecha burocrática em um artigo permitiu a alteração no projeto final e o texto foi reescrito a favor da remoção.

Imagem de satélite da Vila Autódromo (Fonte: Google Earth) 
A prefeitura garante que vai reassentar todos os moradores para outra localidade, a cerca de um quilômetro do local, em um novo conjunto habitacional construído pelo programa do Governo Federal “Minha Casa, Minha Vida”, batizado de Residencial Parque Carioca, próximo à Estrada dos Bandeirantes, no Recreio. O secretário municipal de Habitação, Jorge Bittar, afirma que as famílias serão reassentadas somente quando o conjunto estiver pronto e que as que não desejarem a transferência serão indenizadas de acordo com uma avaliação dos imóveis feita pela própria prefeitura.

A rota da Transcarioca sofreria um desvio justamente para passar por cima da favela (como pode ser visto no vídeo abaixo). Outro ponto conflitante do projeto é que grande parte das famílias residentes na Vila Autódromo já foram reassentados pelo poder público na área há cerca de quarenta anos, vindas de outra favela: a Cardoso Fontes, de Jacarepaguá. Desde 1993 a prefeitura do Rio de Janeiro move ação para a remoção, mas apenas em fevereiro deste ano a Justiça autorizou em primeira instância uma retirada parcial da favela, que vale apenas para as casas com distância de até 25 metros da Lagoa de Jacarepaguá, por motivos ambientais. A comunidade também foi vítima de brigas políticas nos anos 1990. Em sua segunda passagem pelo Palácio Guanabara (1991-1994), o ex-governador Leonel Brizola distribuiu títulos de posse provisórios de 30 anos aos moradores. Já seu rival Cesar Maia, ao assumir a prefeitura pela primeira vez, em 1993, decidiu remover as maiores favelas da região, argumentando danos ambientais. No caso da Vila Autódromo, a prefeitura entrou na Justiça. Em 1996, em meio à discussão do caso na Justiça, o governador Marcello Alencar renovou os títulos de posse provisórios, por 99 anos.

“Nós temos esse título dado pelo governador do estado, Leonel Brizola. Esse título tem a validade de 30 anos. Ele foi dado em 1992. E aí o que aconteceu: outro governador fez uma retificação desse título, passando de 30 anos para 99 anos. Eles teriam que respeitar o título”, declarou o presidente da Associação dos Moradores e Pescadores da Vila Autódromo, Altair Guimarães à Agência Brasil.

No último dia 16, moradores da Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, entregaram ao prefeito Eduardo Paes uma proposta de urbanização que argumenta não haver incompatibilidade entre a construção do futuro Parque Olímpico do Rio, a existência da comunidade, e a preservação ambiental. Conhecido como “Plano Popular da Vila Autódromo”, o projeto foi desenvolvido numa parceria entre a Associação de Moradores da comunidade e professores e alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Fluminense (UFF). No processo de elaboração foram realizadas oficinas, assembleias e diversas reuniões com os moradores.

As questões ambientais, muito usadas como argumento para a remoção da comunidade, também foram incluídas no plano, que prevê, entre outras coisas, uma área de recuperação ambiental na margem da lagoa. Com relação aos serviços públicos, o plano propõe a inclusão da comunidade no programa Saúde da Família e a construção de uma creche e de uma escola municipal. Também foi planejada a criação de novas áreas de esporte e lazer. A recuperação da área é bem mais barata que a criação do conjunto habitacional: enquanto a proposta da comunidade está orçada em R$ 13 milhões, a da Prefeitura custa R$ 38 milhões.

Um dos motivos apontados pelos críticos do projeto da prefeitura, como a urbanista Raquel Rolnik, é o interesse imobiliário do local, o que poderia trazer lucro tanto à prefeitura como às empreiteiras e construtoras envolvidas no projeto olímpico após a realização dos jogos. Um manifesto da associação de moradores publicado é enfático na acusação dessas relações: “Desde o anúncio da realização da Copa e das Olimpíadas no Brasil, os moradores da Vila Autódromo se tornaram alvo de ameaças de remoção. Não é a primeira vez. Esta comunidade está situada em zona que, com o processo de expansão da cidade, tornou-se alvo da cobiça de especuladores e grandes construtoras. Seus moradores aprenderam a resistir, afirmando seu direito à moradia diante do poder do mercado imobiliário aliado aos sucessivos governos. Em mais uma tentativa, apresentou um projeto viário, alterando a rota da Transcarioca já em obras (e com várias irregularidades no licenciamento ambiental), somente para passar por cima da comunidade. Com a mudança constante de pretextos, a Prefeitura pretende legitimar a remoção de 500 famílias, e a cessão, para o consórcio privado Odebrecht-Andrade Gutierres-Carvalho Hosken, de uma área de 1,18milhões de m2, dos quais 75% serão destinados à construção de condomínios de alta renda”.

A favela também virou tema da campanha política na corrida para a prefeitura carioca deste ano. O candidato Marcelo Freixo, do PSOL, afirma que nada explica os altos gastos da prefeitura: “Só o terreno para onde a Prefeitura pretende remover a comunidade — a um quilômetro de distância de onde as famílias vivem hoje — custou R$ 20 milhões.”, disse o deputado estadual no começo do ano. Denúncias veiculadas pela imprensa fizeram a Prefeitura do Rio cancelar a compra do terreno anteriormente escolhido para o Residencial Parque Carioca, que pertencia à empresa controlada por doadores de campanha do prefeito Eduardo Paes. A decisão foi tomada depois que o jornal O Estado de S. Paulo revelou que a área comprada por R$ 19,9 milhões era de propriedade da Tibouchina Empreendimentos, empresa controlada pela Rossi Residencial e pela PDG Realty - incorporadoras que doaram R$ 245 mil para Paes em 2008, então candidato a prefeito e ao seu chefe de gabinete, Luiz Antonio Guaraná, e, nas eleições de 2010, a alguns de seus atuais secretários.

Consultada pela AFP, a prefeitura explicou que a razão do desalojamento é que “dois terços da comunidade estão em uma área de preservação ambiental” e que “a maior parte dos moradores não tem acesso a saneamento básico e vive em condições precárias e insalubres”. Eduardo Paes, às vésperas das eleições, evita falar sobre o tema e diz que não vai usar a força e que a palavra remoção é “muito forte”. O prefeito explica que vai apontar alternativas para mostrar que é possível sair de uma área irregular em degradação ambiental.

Veja no vídeo o desvio na rota da Transcarioca na área ocupada pela Favela Vila Autódromo (a partir de 1m17s).